É digna de nota a firmeza e serenidade de Allende neste pronunciamento, apesar da tristeza que o abatia com o covarde golpe da burguesia e da morte iminente, posto que aviões já iniciavam o bombardeio do palácio La Moneda...
11 de Setembro de 2009: 36 anos sem Salvador Allende
Uma das maiores armas do imperialismo americano é a dissolução de nossa identidade latino-americana, calcada na ignorância histórica que possuímos sobre os verdadeiros heróis do nosso tempo.
Em 11 de setembro de 1973 tombava Salvador Allende, presidente eleito do Chile, sob o forte bombardeio do palácio La Moneda por tropas golpistas e traidoras do povo chileno, que agiram violentamente, covardemente, e com apoio norte-americano e articulações do seu serviço de assassinos, a CIA.
Caia mais um mártir pela democracia, pelo socialismo. Allende foi o primeiro presidente eleito pela esquerda em toda a história da América Latina, e acreditava que seria possível implementar o socialismo através da via institucional, sem a deflagração de ações revolucionárias violentas contra a burguesia.
Responderam-lhe como o sabem fazer os assassinos defensores do capitalismo: articulações e manipulações diversas para conduzir o país ao caos, retirando-lhe parte do apoio popular das classes médias da população, para concluir com o banho de sangue que levou Pinochet ao poder e o Chile à quebra de sua longa tradição democrática e a uma das ditaduras mais longas e violentas em toda a história da América Latina.
Morria Allende, abraçado ao fuzil que recebera de Che Guevara e a um capacete que lhe havia sido dado por trabalhadores das minas de carvão de seu país.
Suas últimas palavras foram de esperança para o povo chileno, e de uma coragem mansa que apenas homens com sua fé podem deter:
"Não vou renunciar. Colocado no caminho da História pagarei com minha vida a lealdade do povo. E digo que tenho certeza de que a semente que deixamos na consciência digna de milhares e milhares de chilenos não poderá ser ceifada definitivamente. Eles têm a força, poderão submeter-nos, porém não deterão os processos sociais nem com crimes nem com a força. A história é nossa e é feita pelo povo".
O que os assassinos não sabiam era que homens como o presidente Allende vivem para sempre.
últimas palavras de Allende ao povo chileno, antes do bombardeio do Palácio La Moneda:
Seguramente, esta será a última oportunidade em que poderei dirigir-me a vocês. A Força Aérea bombardeou as antenas da Rádio Magallanes. Minhas palavras não têm amargura, mas decepção. Que sejam elas um castigo moral para quem traiu seu juramento: soldados do Chile, comandantes-em-chefe titulares, o almirante Merino, que se autodesignou comandante da Armada, e o senhor Mendoza, general rastejante que ainda ontem manifestara sua fidelidade e lealdade ao Governo, e que também se autodenominou diretor geral dos carabineros.
Diante destes fatos só me cabe dizer aos trabalhadores:
Não vou renunciar!
Colocado numa encruzilhada histórica, pagarei com minha vida a lealdade ao povo. E lhes digo que tenho a certeza de que a semente que entregamos à consciência digna de milhares e milhares de chilenos, não poderá ser ceifada definitivamente. [Eles] têm a força, poderão nos avassalar, mas não se detém os processos sociais nem com o crime nem com a força. A história é nossa e a fazem os povos.
Trabalhadores de minha Pátria: quero agradecer-lhes a lealdade que sempre tiveram, a confiança que depositaram em um homem que foi apenas intérprete de grandes anseios de justiça, que empenhou sua palavra em que respeitaria a Constituição e a lei, e assim o fez.
Neste momento definitivo, o último em que eu poderei dirigir-me a vocês, quero que aproveitem a lição: o capital estrangeiro, o imperialismo, unidos à reação criaram o clima para que as Forças Armadas rompessem sua tradição, que lhes ensinara o general Schneider e reafirmara o comandante Araya, vítimas do mesmo setor social que hoje estará esperando com as mãos livres, reconquistar o poder para seguir defendendo seus lucros e seus privilégios.
Dirijo-me a vocês, sobretudo à mulher simples de nossa terra, à camponesa que nos acreditou, à mãe que soube de nossa preocupação com as crianças.
Dirijo-me aos profissionais da Pátria, aos profissionais patriotas que continuaram trabalhando contra a sedição auspiciada pelas associações profissionais, associações classistas que também defenderam os lucros de uma sociedade capitalista.
Dirijo-me à juventude, àqueles que cantaram e deram sua alegria e seu espírito de luta.
Dirijo-me ao homem do Chile, ao operário, ao camponês, ao intelectual, àqueles que serão perseguidos, porque em nosso país o fascismo está há tempos presente; nos atentados terroristas, explodindo as pontes, cortando as vias férreas, destruindo os oleodutos e os gasodutos, frente ao silêncio daqueles que tinham a obrigação de agir. Estavam comprometidos. A historia os julgará.
Seguramente a Rádio Magallanes será calada e o metal tranqüilo de minha voz não chegará mais a vocês. Não importa. Vocês continuarão a ouvi-la. Sempre estarei junto a vocês. Pelo menos minha lembrança será a de um homem digno que foi leal à Pátria. O povo deve defender-se, mas não se sacrificar. O povo não deve se deixar arrasar nem tranqüilizar, mas tampouco pode humilhar-se.
Trabalhadores de minha Pátria, tenho fé no Chile e seu destino.
Superarão outros homens este momento cinzento e amargo em que a traição pretende impor-se.
Saibam que, antes do que se pensa, de novo se abrirão as grandes alamedas por onde passará o homem livre, para construir uma sociedade melhor.
Viva o Chile!
Viva o povo!
Viva os trabalhadores!
Estas são minhas últimas palavras e tenho a certeza de que meu sacrifício não será em vão. Tenho a certeza de que, pelo menos, será uma lição moral que castigará a perfídia, a covardia e a traição.
Para saber mais...
Consulte a página sobre o presidente Salvador Allende na Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Salvador_Allende
Lá está disponível um bom resumo biográfico. Outra boa fonte de informações é o artigo "O sonho de Salvador Allende", de Tomas Moulián, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil:
http://diplo.uol.com.br/2003-09,a751
Gostaria de destacar, neste artigo, o seguinte trecho: "O presidente chileno não entrou para a História por causa de sua morte, mas, sim, por causa de sua vida, e sua morte fortaleceu o mito. Graças a seu instinto político e a seu realismo histórico, ele veio a representar a expressão simbólica de uma 'nova maneira' de chegar ao socialismo, num momento em que os sintomas de crise dos socialismos reais já começavam a se fazer sentir". Ele caracteriza, muito bem, o sonho de Allende de construir um novo caminho para uma nova sociedade, baseada em valores como a justiça, a paz e a igualdade.
Definitivamente perdemos, naquele fatídico 11 de setembro, um dos maiores -- senão o maior -- ícones da luta pela democracia em todo o mundo. Mas se o perdemos para o tempo presente, em sua forma humana, fica-nos certo que jamais o perderão as futuras gerações em sua forma histórica.
Onde quer que a palavra democracia seja dita, seu sobrenome será Allende. E onde quer que um coração aspire pela paz, justiça, igualdade e unidade entre os povos, ele viverá, sempre.
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