segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Campus da UERJ em Queimados + Pré-vestibular Social: o que isso realmente significa?

É evidente que pré-vestibulares comunitários aumentam as probabilidades (mínimas) de que um aluno negligenciado ao longo de toda a sua vida escolar consiga ser aprovado em um vestibular. Ouso até dizer que dependendo do empenho do aluno -- e, é claro, de condições mínimas que permitam a ele empenhar-se em seus estudos -- ele pode vir a se classificar, haja visto que isso já se deu várias e várias vezes, em várias comunidades onde pré-vestibulares comunitários foram criados. Aliás... Há gente, creio, muito mais bem qualificada nesta comunidade do que eu para tratar deste assunto.

Agora... Em uma coisa creio que teremos todos de concordar: por melhor que seja um pré-vestibular comunitário, creio que dificilmente será capaz de suprir as lacunas de um sistema educacional sem o menor compromisso com a formação humanística de seus educandos.

Em outras palavras... A escola não é apenas o lugar onde você mecanicamente aprende que algum marechal bucha-de-canhão deu um Golpe de Estado e proclamou uma falsa República. É também o lugar onde se aprende o contexto em que isso se deu, as correlações de força que atuaram no momento histórico e os desdobramentos que o fato trouxe, efetivamente, para o país e para seu povo. Indo além, aprende-se o que é, de fato uma república, e a importância do conceito de "res publica". Sem tais conhecimentos, foma-se o operário, o técnico, o engenheiro, mas não se forma um cidadão consciente de que democracia não é apenas uma palavra ou o direito de votar, a cada quatro anos, em representantes das elites que irão oprimir o povo, fazendo do Estado uma mera alavanca para removerem os obstáculos a seus interesses.

A escola não é apenas o lugar onde se aprende a instrumentalização da língua, mas também o lugar onde se pode aprender a ordenar idéias, a reuni-las de forma coerente. Sem isso, tem-se um médico ou até mesmo um advogado, mas não se pode formar um homem capaz de pensar sua realidade, e muito menos capaz de ousar transformá-la.

Por último, gostaria de dizer que a escola não é apenas -- e não deveria ser! -- um lugar onde as pessoas -- alunos, professores, funcionários -- devem estar, mas sobretudo um lugar onde as pessoas gostam de estar. Penso que há muitos pseudo-educadores, e que sempre os houve e haverá. Infelizmente, talvez, por serem egressos da mesma formação humanística deficiente que hoje conferem a seus alunos. Afora isso, a escola costuma ser chata e castradora, conservadora em suas visões curriculares de mundo. Obviamente, ela corrobora, desde a mais tenra idade, para desconstruir a fé inata que as crianças trazem, dentro de si, em relação ao mundo onde vivem. Muitas vezes é tudo muito impessoal, burocrático, mera política do mínimo. E com isso ela pode fornecer mão-de-obra para o mercado, mas não-necessariamente seres humanos dignos e compromissados com o momento histórico no qual estão inseridos, compromissados com o futuro, com as gerações que virão.

Tudo isto não acredito ser possível responder com um pré-vestibular comunitário, embora reconheça-o como melhor do que nada. Mas não é possível contentar-se com um remendo, sobretudo quando habitamos um país em frangalhos, que tem sido remendado e chutado para a frente como uma velha bola de meia ao longo de mais de cinco séculos de história.

Um campus avançado de uma universidade pública e um pré-vestibular comunitário podem significar um avanço na medida em que oferecem, a nossos jovens, a perspectiva de galgar um degrau maior em suas vidas. Sim, são importantes se lhes conseguirem oferecer tal esperança, ao menos. Mas são insuficientes se o que é mais importante, a educação de base, não for totalmente revolucionada.

Reitero: esta é uma dívida histórica de Queimados para com seu povo, para com os filhos e filhas de milhares de trabalhadores que deixaram suas terras natais em busca de uma vida melhor, e que depositaram em nossos 72km² as suas esperanças, o seu suor e o seu sangue. Foram estes trabalhadores com seus pífios salários e suas parcas economias que construíram essa cidade, e não as suas pequenas -- em número e visão! -- elites locais, cujo único talento foi valer-se da expeculação imobiliária e de conluios políticos para sugar o pouco de riqueza que nossos trabalhadores podiam gerar com suas mãos. Se esta dívida não for paga, não há que se esperar para nossa cidade destino diferente do que tiveram outras cidades pequenas e pobres que incharam sem nenhuma atenção do poder público às suas desigualdades sociais. Neste caso, nos espera somente o desvirtuamento de nossos jovens e o aumento nos índices de violência, além de mais miséria. Não podemos viver para sempre como lixo periférico de um grande centro, a lhe fornecer mão-de-obra barata e subqualificada. Há que se pensar uma vocação econômica para a cidade e isso é impossível de ser feito de forma sustentável sem um amplo debate público sobre a educação e sem a aplicação das mudanças (resoluções) dele decorrentes.

Uma vez mais eu repito: tal dívida histórica, pela complexidade e profundidade de seus problemas, não poderá ser paga com medidas pontuais, paliativas, isoladas. Há que pensar uma grande política pública, continuada e acordada mediante amplo pacto social capaz de resistir às trocas de governo por pressão e controle popular, a fim de que se possa verdadeiramente semear um amanhã.

Isso vai muito além de por remendos, de pintar muros. Aonde vai eu sinceramente não sei. Mas sei por onde passa, o único e estreito, porém possível, caminho a seguir: o controle social sobre a educação. Sem isso, sem esse sentido amplo de democracia, nada irá mudar. Ou pior ainda, repetiremos a máxima mais frequentemente presente na curta história queimadense: mudar tudo para nada mudar.

Nenhum comentário: